Antes de entrar em uma cabana camuflada para avistar pássaros no norte de Mato Grosso, Francisco de Carvalho Sousa, 54 anos, revive memórias da infância no interior do Piauí, quando sonhava em estar entre papagaios, tucanos e pintassilgos que sobrevoavam o sítio da família. Hoje, esse desejo se concretiza de forma inesperada: ex-garimpeiro, ele se tornou guia no Cristalino Lodge, referência em ecoturismo em Alta Floresta, onde trabalha há cerca de três décadas.
Francisco chegou à cidade em 1993, atraído pelo garimpo, quando o município era o segundo maior centro de comercialização de ouro da Amazônia. Pouco tempo depois, deixou a atividade e passou a atuar como caseiro para a família Da Riva, responsável pela criação das reservas particulares do patrimônio natural do Cristalino. Ali, em uma área que abriga mais de 670 espécies de aves, Francisco encontrou uma nova forma de se reconectar com a natureza.
Em 2008, ao observar o comportamento de insetos atraídos por pequenas poças de água no chão da floresta, teve a ideia que mudaria sua trajetória: construir bebedouros artificiais. Assim nasceram as cinco poças espalhadas pela mata, que diariamente são abastecidas por ele. O resultado foi imediato: espécies que costumavam viver escondidas sob as copas passaram a frequentar os pontos d’água, transformando o local em um verdadeiro palco para turistas e observadores de aves.

A experiência é única. Se antes era preciso esperar até 15 dias para avistar determinadas espécies, agora é possível observar dezenas delas em poucas horas. “Muitos clientes me procuram com uma lista de pelo menos 200 pássaros. Eles sabem que não é possível ver todos, mas as poças ajudam muito”, conta Francisco, que aprendeu a identificar centenas de aves apenas pelo canto.
Sem falar inglês, ele se comunica com turistas de todo o mundo pela linguagem universal da natureza. Ao longo dos anos, já guiou renomados ornitólogos, como os americanos Kevim Zimmer e Bret Whitney, além do britânico Andrew Whitaker. Atualmente, cerca de 280 visitantes por ano se beneficiam de sua invenção.
O trabalho rendeu a Francisco o reconhecimento como guardião da fauna local e exemplo de transformação. De ex-garimpeiro a guia respeitado, sua rotina é marcada pelo sorriso e pelo entusiasmo ao apontar cada nova espécie. Ainda assim, guarda um sonho simples: “Um dia quero saltar de paraquedas. Depois de ficar entre os pássaros aqui embaixo, quero voar com eles lá em cima”, diz.